domingo, 15 de janeiro de 2012

Tolerância

Ao contrário do amor ou da generosidade, que não têm limites intrínsecos nem outra finitude além da nossa, a tolerância é, pois, essencialmente limitada: uma tolerância infinita seria o fim da tolerância!

Não dar liberdade aos inimigos da liberdade? Não é tão simples assim. Uma virtude não poderia se isolar na intersubjetividade virtuosa: aquele que só é justo com os justos, generoso com os generosos, misericordioso com os misericordiosos, etc., não é nem justo nem generoso nem misericordioso. Tampouco é tolerante aquele que só o é com os tolerantes. Se a tolerância é uma virtude, como acredito e como geralmente se aceita, ela vale por si mesma, inclusive para com os que não a praticam.

(...)

Do mesmo modo, o tolerante, deve guiar-se pelos princípios da tolerância. Se não se deve tolerar tudo, pois seria destinar a tolerância à sua perda, também não se poderia renunciar a toda e qualquer tolerância para com aqueles que não a respeitam.

Uma democracia que proibisse todos os partidos não democráticos seria muito pouco democrática, assim como uma democracia que os deixasse fazer tudo e qualquer coisa seria democrática demais, ou antes, mal democrática demais e, por isso, condenada – pois ela renunciaria a defender o direito pela força, quando necessário, e a liberdade pela coerção.

O critério não é moral, mas político. O que deve determinar a tolerabilidade de determinado indivíduo, grupo ou comportamento não é a tolerância de que eles dão mostra (porque então todos os grupos extremistas de nossa juventude deveriam ter sido proibidos, o que só lhes daria razão), mas sua periculosidade efetiva: uma ação intolerante, um grupo intolerante, etc., devem ser proibidos se, e somente se, ameaçarem efetivamente a liberdade ou, em geral, as condições de possibilidade da tolerância.

Numa república forte e estável, uma manifestação contra a democracia, contra a tolerância ou contra a liberdade não basta para colocá-las em perigo; portanto, não há motivo para proibi-las, e seria uma falta de tolerância querê-lo. Mas, se as instituições estão fragilizadas, se a guerra civil está iminente ou já começou, se grupos facciosos ameaçam tomar o poder, a mesma manifestação pode se tornar um perigo verdadeiro; então pode ser necessário proibi-la, impedi-la, até pela força, e seria falta de firmeza ou de prudência renunciar a essa possibilidade.

Em suma, depende dos casos, e essa “casuística da tolerância”, como diz Jankélévitch, é um dos problemas principais de nossas democracias. Depois de ter evocado o paradoxo da tolerância, que faz com que a enfraqueçamos à força de querer estendê-la infinitamente, Karl Popper acrescenta o seguinte:

Não quero dizer com isso que seja sempre necessário impedir a expressão de teorias intolerantes. Enquanto for possível enfrentá-las com argumentos lógicos e contê-las com ajuda da opinião pública, seria um erro proibi-las. Mas é necessário reivindicar o direito de o fazer, mesmo pela força, se necessário, porque pode muito bem acontecer que os partidários dessas teorias se recusem a qualquer discussão lógica e só respondam aos argumentos com a violência. Seria necessário então considerar que, assim fazendo, eles se colocam fora da lei e que a incitação à tolerância é tão criminosa quanto a incitação ao assassinato, por exemplo.

Democracia não é fraqueza. Tolerância não é passividade.

André Comte-Sponville

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